Iniciado processo de beatificação de pirassununguense nascido no Arraial
No dia 22 de janeiro de 2021 na Catedral São João Batista, município de São João da Boa Vista/SP, ocorreu a sessão solene de abertura do processo de beatificação de Dom Tomás Vaquero, nascido na Fazenda Campo Alegre, bairro do Arraial, Distrito de Cachoeira de Emas, Pirassununga/SP.
Logo mais abaixo a história de Dom Tomás Vaquero, que viveu em sua infância na rua Doa Andradas, 66, quase cruzamento com as ruas Dos Lemes, centro de Pirassununga.
Se vivo, Dom Tomás Vaquero, completaria 107 anos no próximo dia 26 de março.
Os integrantes do Tribunal Eclesiástico que apura detalhes do feito assinaram importantes documentos relacionados, na Catedral de São João Batista.
Participaram do rito o italiano Paolo Vilota (postulador), Ronaldo e Ana Lúcia Frigini (notários) e os padres João Paulo Arpaia Chiarato (vice-postulador), Denis Crivelari (promotor de justiça), Ramiro Marinelli Duarte (juiz) e Marcos Campanhari (chanceler).
A sessão foi presidida pelo bispo Dom Antônio Emídio Vilar (Diocese de São João da Boa Vista – SP) que, na sequência, celebrou a missa encerrada com o translado dos restos mortais de Dom Tomás para uma urna que passou a ficar exposta ao público na Catedral.
A Vida de Dom Tomás Vaquero
Breve histórico de Dom Tomás Vaquero
Enraizamento
Dom Tomás Vaquero nasceu em Pirassununga, situada no estado de São Paulo, o mais próspero do Brasil maior país da América do Sul do Sul, incluindo entre os maiores países do mundo. A grandiosidade do contexto geográfico de seu nascimento contrasta com a humildade extrema que praticava.
Ele participou das quatro sessões do Concilio Ecumênico Vaticano II, viajava constantemente para a Alemanha e outros países da Europa e do Oriente. Também conhecia quase o Brasil todo. Formando uma imagem dos quatro locais principais onde trabalhou, todos localizados no Estado de São Paulo, onde, nasceu, estiquemos um suporte apoiado, na sua extremidade esquerda, em Pirassununga, sua terra natal; daí subamos um pouco perpendicularmente para o leste e apoiemos a extremidade direita em São João da Boa Vista, única diocese em que exerceu seu ministério episcopal, perfazendo, de um a outro local, cerca de 100 quilômetro; em seguida, coloquemos uma cortina neste suporte superior, estendendo-a pelo percurso de 200 quilômetros abaixo, para o sul, incluindo Mogi Mirim, Campinas e São Paulo. Esses poucos quilômetros quadrados, nada mais que isso, formam a área de abrangência de seu longo e fecundo trabalho pastoral, que durou 50 anos. Assim, criou firmes raízes, sem pretensões de altos voos.
Humildade
Pedro Vaquero e Thereza Seis Dedos, seus pais, receberam-se em matrimonio em 11 de abril de 1910, quando o pai contava 48 anos e a mãe, 19 anos. A cerimônia foi realizada diante de Dom Ildefonso Pascual, coadjutor encarregado na única paróquia da Villa Fermozelle, Província e Diocese de Zamora, na Espanha.
Nascido no dia 26 de março de 1914, às 20h00, na Fazenda Campo Alegre, município de Pirassununga, passou sua infância na terra natal, na Rua dos Andradas, naquele tempo identificada pelo número 66, no cruzamento com a Rua dos Lemes. Ele sempre dizia que, no tempo de seu nascimento, corria um comentário que sentenciava um recém-nascido feio a ser padre. ‘Quando nasci’, comentava ele, ‘eu era tão feio, que o povo dizia: ‘Coitadinho! É tão feio, que vai ser bispo’.
Gostava muito de montar e resolver charadas da língua portuguesa. Nessa linha, comentava sempre que era menos do que seus fiéis. Dividindo o vocabulário bispo em suas duas sílabas (bis-po), expunha a seus ouvintes que eles eram só uma vez pó, e ele, em vez de bispo, era “ bis-pó” (pó duas vezes).
Também edifica seu povo indicando que se ele saísse da diocese por vários dias, ninguém notaria sua ausência. Entretanto, se os catadores de lixo parassem sua função, a cidade toda, prontamente, não só notaria a ausência mas suspiraria pela presença deles.
Tudo isso ele afirmava não apenas em conversas informais, mas sobretudo em público, diante do povo que lotava sua catedral e as igrejas paroquiais de sua diocese. Com tais expedientes chistosos, não estava usando de falsa humildade para se engrandecer, e sim se humilhando por causa de supostas grandezas que pudessem ser atribuídas a ele.
A humildade foi uma das principais características de sua vida.
A passagem surpreendente
Dom Tomás mantinha aparente contraste no âmbito pastoral. Criado na rígida disciplina das últimas lufadas do Concílio de Trento, ele lançava raios de sol impressionantes provindos do Concilio Ecumênico Vaticano II. Sempre andava com a batina surrada; raramente trajava clergyman; roupas civis, quase nunca. Admirava a filosofia aristotélico-tomista, gostava de latim, dedicava-se aos costumes antigos da Igreja. Por outro lado, foi entusiasta inovador: passava horas e horas, em suas palestras, discorrendo sobre os documentos do recente Concílio, adaptava os recintos das igrejas à missa versus populum, frequentava campos de futebol, sítios, clubes, levando a Palavra de Deus aos ambientes laicos.
Conciliou de modo extraordinário as duas aparentes contradições; educado em sistema severíssimo, tradicional, imutável, aceitou de modo natural e entusiasmado a adaptação da igreja, com as ousadias inovadoras da época pós-conciliar. Quase nunca foi criticado pelos padres por andar de batina, nem criticava os padres novos por usarem roupas comuns, até mesmo em cerimônias. As excentricidades provocadas pelo impacto do momento serpenteavam em meio a abolição de costumes obsoletos, modernização de tarefas adaptáveis, surgimento de novas atitudes e, sobretudo, retorno às origens cristãs, em meio à sociedade que iniciava revoluções rumo á pós-modernidade líquida.
Para ele, tal oscilação não soou como indecisão, ajeitamento ou simples adaptação momentânea levada por circunstâncias. Dom Tomás encarnou o protótipo da passagem de uma Igreja pastoralmente enrugada para uma Igreja que, embora ainda não resplandecente, já começava a limpar a poeira que os séculos haviam acumulado sobre seu rosto, como havia solicitado o Papa João XXIII.
De onde o bispo retirara estofo para encarnar tal passagem, mergulhando fundo em tais contradições e voltando à tona cada vez com mais fôlego?
Já na década de 1930, em Roma, Dom Tomás, em seus escritos, criticava a missa em latim e mantinha o desejo de “fazer com que seu povo compreenda a Missa”. E sustentou tal propósito, argumentado que usaria, para tanto, sermões, explicações, catecismos e até “missas em vulgar”, costume na época de dizer “em português popular”. Missa em vernáculo era algo impensável, que resvalava nas fímbrias da heresia.
Bem provavelmente seus superiores nem soubessem de seu “espírito novidadeiro”; tal desconhecimento por parte das autoridades eclesiásticas livrou-o de ser alvo de severa repreensão e possível represaria, que impediria sua aceitação no episcopado. Algo surpreendente um seminarista teólogo pensar assim, enquanto estudava teologia tomista na língua latina, em Roma, na década de 1930! E tudo isso num tempo em que os costumes caminhavam debaixo de uma ordem férrea, inquestionável, sobretudo em itens como os que ele criticava. Assumiu tais idéias na década de 1930 e só encontrou ambiente propicio para expressá-las e concretizá-las 30 anos mais tarde.
As duas primeiras décadas do sacerdócio
Na década de 1940, o Pe. Tomás teve como ministério principal o trabalho no Seminário Central do Ipiranga, em São Paulo; na de 1950, dedicou seus trabalhos à Faculdade de Campinas. Em torno desse eixo desenvolveu intensas atividades pastorais, litúrgicas e burocráticas. Entre elas: assistências a exames, segunda época e vestibulares, retiros de carnaval, reuniões com alunos, novenas e tríduos diversos, inauguração de museus, palestras de formação, pregações nas celebrações de Semana Santa, trabalho com aspirantes, primeira comunhão de crianças, retiro para vicentinos, congressos de catequese, participação de conselhos e de assembléias gerais.
O assoberbamento das atividades oficiais, porém, não o afastava da simplicidade da essência de seu sacerdócio, revestida de singeleza ingênua, como nos dois exemplos a seguir.
- Anotava as missas que celebrava. No dia 13 de maio de 1949, de manhã muito fria, o Pe. Tomás chegou à casa de três milheiros de missa. Média de mais de uma missa por dia, considerava alta pelo tipo de trabalho que exercia e, num tempo em que o padre precisava de licencia para “binar” ou “trinar”.
- No dia 18 de dezembro de 1949, realizou a primeira comunhão de apenas duas meninas.
Vejamos outras atividades corriqueiras ocorridas de maio de 1949 a agosto de 1950, com suas próprias palavras, anotadas em rascunhos;
“Escrevi diversas cartas e telegrafei.
Recebi carta de casa. Noticia de nova sobrinha, filha da Esmeralda.
Jogo final do Brasil x Uruguai- Copa do Mundo. Derrota.
Segui à noite para Pirassununga, com dor de dente.
Estive em Pirassununga visitando os meus.
À noite fui assistir cinema.
Fui ao cinema: Eternas melodias.
À noite, festinha de S. Luiz, Seminário”.
Pároco em Mogi Mirim
A humildade característica dos 20 anos em São Paulo e Campinas continuou nos trabalhos posteriores.
Nesses dois locais, dedicou-se quase vinte anos diretamente a atividades intelectuais e de magistério. No dia 6 de janeiro de 1960, recebeu a nomeação de “encarregado” da Paróquia São José, de Mogi Mirim, da qual tomou posse no dia 31 seguinte.
Palavras suas, registradas no livro do tombo da paróquia: “Posso asseverar, e para testemunho dos pósteros deixo exarado neste livro, que não obstante ser pároco bisonho, pouco me custou a ambientação pela tão bondosa que me fizeram e pela proverbial e tradicional religiosidade desta Paróquia”.
Impressiona sua infatigável solicitude pastoral. No final de seu primeiro ano como pároco, anota que havia realizado 60 entronizações do Sagrado Coração de Jesus. E, para arrematar soma, de maneira espontânea, esta impressionante estatística: “Durante o ano o pároco procurou visitar seus paroquianos, levando para seus lares a benção da Igreja. Umas 500 famílias foram visitadas.”
Como sempre, não se furtou à alegria de participar das coisas do povo. Fazia dos acontecimentos populares um motivo para se juntar às alegrias e tristezas de sua comunidade. Nessa linha de atitude, comenta: “Houve grande entusiasmo em toda a cidade durante o Campeonato Mundial de Futebol, realizado no Chile, sobretudo no último jogo, quando o Brasil sagrou-se bicampeão.”
Sua rápida permanência em Mogi Mirim não ficou marcada como simples passagem, com ensaios comedidos de sondagem de terreno. Na verdade, foi de densidade profunda, realizada por quem ama a Deus no próximo e se posiciona de maneira consciente perante sua responsabilidade humana e espiritual, orientando as atividades especificas de pastoral e participando dos momentos humanos de sua comunidade paroquial.
Nomeação episcopal
Dom Tomás observa que, após a comunicação de sua nomeação pelas rádios, a notícia correu célere; os amigos começaram a aparecer para cumprimentá-lo, e ele passou a receber telefonemas, telegramas e cartas. Diante de tanta movimentação e manifestações de apreço, não se revestiu de orgulho pessoal, mas transportou o fato para a área espiritual, capaz de apaziguar os instintos humanos perturbadores da vida de santidade, anotando : “com modéstia, sentimentos de gratidão, recebi a nomeação e os comprimentos, vendo em tudo isto a manifestação da vontade do SS. Deus.”
Sagração Episcopal
Deixemos que o sucessor de Mons. Tomás, Pe. Carlos Menegazzi, relate o esplendor da cerimônia de Ordenação Episcopal:
“Foi, sem dúvida, um dos eventos mais preciosos em toda a história religiosa e cívica de Mogi Mirim. Difícil um resumo substancioso pela sua grandiosidade. Foi a primeira sagração episcopal na nossa arquidiocese, fora da Igreja Catedral. A cidade viveu momentos de marcante alegria, estando nosso majestoso templo repleto de uma multidão vinda de todos os lados, ansiosos por assistir tão bela e significativa cerimônia e presta verdadeira homenagem a seu ex-pároco.”
“Com a presença de todas as autoridades do município e de municípios vizinhos, outras autoridades civis e figuras representativas, autoridades militares, cerca de sessenta sacerdotes de muitas dioceses, nosso cabido arquidiocesano, caravanas de muitas cidades e de representações de todas as paróquias da diocese de S. João da Boa Vista, mais de uma centena de religiosas das muitas congregações e institutos, teve início a belíssima cerimônia às 16h00.”
Posse Solene da Diocese de São João da Boa Vista
A caravana de Mogi Mirim se compunha de uma centena de automóveis, vários ônibus, perfazendo cerca de 1.000 pessoas. Em São João da Boa Vista, bandas, sinos, fogos, Tiro de Guerra, alunos de todos os colégios, instituições, associações religiosas, flores, festões, janelas enfeitadas molduraram o cortejo que partiu da Praça Coronel José Pires, compactou-se na Avenida Dona Gertrudes e chegou à residência episcopal. Verdadeira apoteose, cuja causa não se resume apenas à circunstância, mas revela a admiração e o amor que ele despertava nas pessoas com quem convivia. Permaneceu no pastoreio da diocese por quase 28 anos, preenchendo sabiamente 10.092 dias.
Fontes para Pesquisa
Fontes manuscritas
Acervo do Museu de Arte Sacra da Diocese de São João da Boa Vista
Caderneta Religiosa de Dom Tomás de 29/02/1936 a 29/11/1936
Caderneta Religiosa de Dom Tomás de 1937 a 1939
Caderneta Religiosa de Dom Tomás de 21/10/1939 a 28/06/1941
Caderneta de Ordenação de Dom Tomás de 1941
Diário Comum de Dom Tomás de 11/05/1949 a 08/08/1950
Crônicas pessoais de Dom Tomás de seus primeiros dias na diocese de 01/09/1963 a 1964
Arquivo na Residência Episcopal
Certidão de casamento dos pais
Data do casamento: 11/04/1910
Data da certidão: 30/04/1910
Certidão de crisma
Livro 17- folha 2
Data da crisma: 19/04/1929
Data da certidão: 15/01/1936
Pedido de tonsura
Redigido de próprio punho por Dom Tomás
Data da redação: 27/09/1937
7º livro de despachos
Protocolo 51.896
Página 52
Mandato do bispo de Campinas para realização de Proclama e Inquérito
Data 22/06/1938
Livro 12 de Provisões da Diocese
Nº 54.665
Carta Testemunhal do Pároco sobre as Denunciações a respeito do teólogo Tomás
Data das Denunciações: 10,17,24/06/1938
Data da carta Testemunhal: 15/08/1938
Documentos de Interrogações e Inquirição
Data: ano de 1938
Sentença
Data: 22/08/1938
Carta do Presbítero Tomás informando datas das cerimoniais de seus ministérios
Data da missiva: 17/06/1946
Tonsura: 05/10/1937
Ostiariato e leitorato: 07/12/1938
Exorcistato e acolitato: 07/12/1938
Subdiaconato: 27/10/1940
Diaconato: 31/12/1940
Presbiterato: 12/04/1941
Nomeação do Presbítero para pároco da Paróquia São José de Mogi Mirim
Transcrição do documento do Papa João XXII:
Data da expedição de Roma: Kalendas (1º dia) de julho de 1960
Data de expedição da Cúria de Campinas; 02/09/1960
Cúria Diocesena de Amparo
Livro do Tombo da Paróquia São José, Mogi Mirim.
Cúria Diocesena de Limeira
Assentamento de batizado
Data do batizado: 09/07/1914
Certidão de batismo
Data do batizado: 09/07/1914
Data do documento: 27/06/2010
Paróquia São José, Mogi Mirim
Assentamento de batizados assinados pelo pároco Tomás
*Primeira assinatura como cônego
Batizado de José Renato; 04/01/1960
Localização: Livro 51, página 5, nº 415
*Última assinatura como monsenhor
Batizado de Rogério: 18/07/1963
Localização Livro: 52, página 263, nº 415
Paróquia São Bom Jesus dos Aflitos
Assentamento de batismo
Livro 15- folha 175- nº 311
Paróquia São Bom Jesus dos Aflitos
Pirassununga- SP
Paróquia São José – São José do Rio Pardo
Livro do Tombo da Paróquia
Cartório de Pirassununga
Certidão de Nascimento
Livro: A-19- folha 19 verso- nº 148
Cartório de Pirassununga
Endereço:
Rua Campos Coronel Franco, 1134, centro
13.630-136 – Pirassununga/SP
Fone: (19)3561-4774
E-mail: [email protected]
Fontes impressas
Revista 25 Anos da instalação da Diocese de São João da Boa Vista.
Vários Organizadores, 1985
Plano de Pastoral- 1980 Diocese de São João da Boa Vista.
Plano de Pastoral- 1988 Diocese de São João da Boa Vista
Plano de Pastoral- 1989 Diocese de São João da Boa Vista.
Inúmeros artigos no “Cidade de São João”, arquivados na diocese de São João da Boa Vista, sobretudo escritos de Roma, durante o Concilio Ecumênico Vaticano II.
Nota: O Pe. Luiz Carlos Gonçalves, pároco de Tapiratiba, paróquia da Diocese de São José da Boa Vista, possui acervo significativo dos planos de pastoral da Diocese, do tempo de Dom Tomás
Discurso de saudação do acadêmico Daniel Caetano do Carmo ao recipiendário Dom Tomás Vaquero na Academia Pirassununguense de Letras, Artes e Educação(APLACE), dia 20 de outubro de 1990. Consulta realizada na transcrição do Jornal O Movimento, 4 de novembro de 1990, domingo.
Texto inicial – Antônio Felipe
domtomas.com.br – Textos: A vida de Dom Tomás Vaquero e Fotos
A Vida de Dom Tomás Vaquero