Ex-prefeita Cristina do Léssio condenada em 1ª Instância por Improbidade Administrativa
A ex-prefeita Cristina Aparecida do Léssio Batista, hoje filiada ao Republicanos, foi condenada em 1ª Instância no último dia 10 de agosto, pela 2ª Vara da Comarca de Pirassununga/SP, devido a uma Ação Civil promovida pelo Ministério Público de Estado de São Paulo.
Desta forma, a ex-prefeita que hoje está filiada ao Republicano fica proibida de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de três (3) anos, e também teve seus direitos políticos cassados pelo prazo de cinco (5) anos, devido a condenação por Improbidade Administrativa.
Cristina do Léssio terá que ressarcir os cofres públicos no valor de R$ 52.032,08, acrescidos de correção monetária, nos termos da Tabela do TJSP, a partir do ajuizamento e juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação.
Outras pessoas também vieram na “esteira” da ex-prefeita, onde também foram condenados. Veja abaixo o teor completo do processo.
SENTENÇA
Processo Digital nº: 1001265-85.2015.8.26.0457
Classe – Assunto Ação Civil Pública – Improbidade Administrativa
Requerente: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
Requerido: CRISTINA APARECIDA BATISTA e outros
Tramitação prioritária
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Rafael Pinheiro Guarisco
Vistos.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO ingressou com AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA contra CRISTINA APARECIDA BATISTA, JOAQUIM DONIZETTI GODOY LEME, DANIEL GASPAR, ROYCE MARIA VICTORELLI PIRES VARGAS, MARCELO BARROS DE ANDRADE e FVB LOCADORA DE VEÍCULOS LTDA.
Narra que houve licitação para ‘registro de preços para contratação de serviços de locação de veículos, caminhões e equipamentos pesados para uso das Secretarias Municipais pelo prazo de doze meses’, com ata homologada e prazo de vigência já encerrado, mas não houve estudo prévio da viabilidade econômica, apenas “orçamentos prévios precários e temerários (…) em valores muito superiores aos praticados pelo mercado à época (…) por empresas que não teriam locação de viaturas e máquinas no objeto social.
Afirma aparente simulação de preços e fraude e que o estudo prévio é requisito do procedimento licitatório cuja ausência é dolosa resultando em prejuízo ao erário. Diz que, enquanto o contrato estava em vigor, foram licitadas aquisições de veículos, e que no procedimento em questão, constavam cláusulas restritivas e de aglutinação de objeto, ferindo o princípio da economicidade e causando restrição de participação.
Diz ainda que Cristina e Joaquim, dolosamente, causaram dano ao patrimônio público no valor de R$ 116.325,60; enquanto Daniel, por culpa, causou prejuízo de R$ 77.760,00, e Royce, também culposamente, de R$ 12.300,00.
Marcelo teria obtido vantagem para a FVB, empresa da qual é responsável, em prejuízo do erário, e concorrido para que houvesse restrição na participação de concorrentes na licitação.
Joaquim se manifestou a fls. 952, com preliminar de ilegitimidade de parte, porque somente passou a ocupar o cargo de Secretário Municipal de obras e serviços em 16 de Setembro de 2013, quando o procedimento licitatório já havia sido iniciado, e apenas o concluiu. No mérito, defendeu a regularidade do procedimento, concluindo pela improcedência do pedido.
Daniel e Royce apresentaram manifestação a fls. 1169, dizendo não ter havido dano ao erário e defendendo a legalidade do procedimento.
FVB e Marcelo se manifestaram a fls. 1214, com preliminar de inépcia da inicial, por ausência de causa de pedir, dizendo não estarem descritas as condutas ilícita, e que a inicial é genérica, sem nexo de causalidade, negando superfaturamento e conluio.
Cristina se manifestou a fls. 1.322, dizendo que o procedimento foi legal e que é parte ilegítima no polo passivo, porque não causou dano, o procedimento de tomada de preços foi lícito, não houve improbidade administrativa, concluindo pela rejeição da inicial e exclusão da requerida da lide.
Manifestou-se o Ministério Público a fls. 1.358, pela rejeição das preliminares e recebimento da inicial.
Na decisão de fls. 1.385 e seguintes, a inicial foi recebida.
FVB e MARCELO contestaram a fls. 1.423/1.472, com preliminares de inépcia da inicial e ausência de causa de pedir, dizendo que a inicial é genérica e não descreve as condutas, “faz ilações sobre a existência de APARENTE conluio” e “não prova lesão ao erário”, dizendo, também, que faturou, em média, pouco mais de 5% do valor do contrato, sofrendo prejuízo com a contratação. Diz que não poderia ter havido cumulação de pedidos, impugna a pretensão de ressarcimento como deduzida, afirma que a inicial é inepta por não haver informação sobre o dano real ao erário. No mérito, negou a ocorrência de conluio entre as empresas e dano ao erário, impugnou os valores, diz que não havia necessidade de que os veículos estivessem em nome da empresa e que não havia proibição de que fossem locados de terceiros, negando a ocorrência de superfaturamento e concluiu pela improcedência do pedido.
JOAQUIM contestou a fls. 1.563/1.581, com preliminar de ilegitimidade de parte dizendo que ao assumir o cargo de Secretário de Obras e Serviços, a licitação já estava em curso. No mérito, disse ter havido licitação porque havia necessidade urgente dos equipamentos para o aterro sanitário, e que não se locupletou nem obteve qualquer vantagem, aduzindo que as contas foram aprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado.
Afirmou ter solicitado um trator com lâmina e uma pá carregadeira, necessários ás obras no aterro sanitário, pois as máquinas lá existentes estavam quebradas, dizendo também que solicitou aquisição de peças para máquinas, ainda no exercício de 2013, que somente foram autorizadas em 2014, e que os equipamentos eram necessários para atender ao disposto na licença concedida pela CETESB.
Disse, ainda, que a locação ocorreu por curto período, e impugnou o cálculo apresentado pelo autor, pois utilizou-se de equipamento com outra finalidade (diversidade de solo ‘misto duro mas com grão’ para ‘rodovia’), lembrando que a máquina possuía proteção contra o chorume.
Aduziu que o Município utilizou o SINAPI para análise do preço e que os valores ficaram abaixo daqueles existentes naquele sistema. Afirmou que há processo administrativo para locação de viaturas, com relatório de viabilidade econômica, contrariando o raciocínio desenvolvido na inicial, e concluiu pela improcedência do pedido.
Daniel e Royce contestaram a fls. 2.032/2.048, dizendo não ter havido dolo ou dano ao erário, e que a divisão em lotes é recomendada pelo Tribunal de Contas da União, concluindo pela improcedência do pedido.
Cristina Aparecida contestou a fls. 2.066/2.093, com preliminar de ilegitimidade de parte e, no mérito, defendendo a legalidade da licitação. Disse que apenas sete dos quarenta e cinco veículos licitados foram contratados, e que não havia necessidade de dotação orçamentária, defendendo a legalidade do procedimento. Disse que agiu dentro do limite da discricionariedade e que não ocorreu ato de improbidade, não agiu com propósito ou obteve vantagem, concluindo pela improcedência do pedido.
Manifestou-se o Ministério Público a fls. 2.108, requerendo o julgamento do feito no estado em que se encontra, considerando a prova documental trazida, acrescentando que: “Oportuno destacar que, o malbaratamento, que marcou a gestão de outrora foi demonstrado desde o nascedouro dos expedientes administrativos aqui em comento. Passando por requisição de secretaria diversa daquela que deveria atuar no certame licitatório, ao abandono da frota então existente e operante; aos absurdos preços pagos por veículos alugados, bem como pela localização destes carros em Comarcas outras que não nossa Pirassununga”.
As preliminares de contestação foram rejeitadas (fls. 2.113/2.116) e ante o falecimento da ré Royce (fls. 2.812), foi deferida a habilitação dos sucessores (fls. 2.856).
Foi determinada a produção de prova pericial (fls. 2862) e o laudo pericial foi juntado às fls. 3142/3186 e complementado às fls. 3286/3326 e 3359/3395.
O Ministério Público requereu a procedência da demanda (fls. 3.417/3.421).
O laudo pericial foi homologado (fls. 3.422).
Os réus manifestaram interesse na produção de prova oral (fls. 3.433, 3.435 e 3.436).
Audiência de instrução às fls. 3.499/3.505, prosseguindo-se com as alegações finais das partes.
É o breve relatório.
As questões preliminares já foram superadas às fls. 2113/2116. Da mesma forma, a alegada prescrição intercorrente também foi alvo de decisão no Agravo de Instrumento nº Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por RAFAEL PINHEIRO GUARISCO, liberado nos autos.
Passo, pois, ao mérito propriamente dito.
O artigo 37, §4º da Constituição Federal dispõe:
“Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:…
§ 4º. Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
A Lei nº 8.429/92 veio a regulamentar este dispositivo constitucional, trazendo sanções a serem aplicadas por ato de improbidade administrativa por qualquer agente público ou terceiro beneficiado.
No caso em análise, o Ministério Público moveu a presente Ação Civil Pública pretendendo a condenação de Cristina Aparecida Batista e Joaquim Donizetti Godoy Leme, qualificados nos autos, às penas previstas nos incisos II e III do artigo 12, da Lei n. 8.429/92, por terem praticado as condutas típicas do artigo 10, “caput” e incisos VIII e XII, e no artigo 11, “caput” e incisos I e V, do referido diploma legal; Daniel Gaspar e Royce Maria Victorelli Pires Vargas, às sanções insculpidas no inciso II, do artigo 12, da Lei n. 8.429/92, por terem praticado as condutas típicas delineadas no artigo 10, “caput” e incisos VIII e XII, do referido diploma legal; e Marcelo Barros De Albuquerque e FVB Locadora de Veículos Ltda (em relação a essa no que lhe for juridicamente compatível), às penas previstas nos incisos I, II e III, do artigo 12, da Lei n. 8.429/92, por terem praticado as condutas típicas contidas no artigo 9º, inciso I, artigo 10, “caput” e inciso VIII, e artigo 11, “caput”, incisos I e V, do referido diploma repressor.
Dispõem os citados artigos que:
Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:
I – receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público; (…) E
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (…)
VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva; (…)
XII – permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas:
I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência; (revogado pela Lei nº 14.230, de 2021) (…)
V – frustrar, em ofensa à imparcialidade, o caráter concorrencial de concurso público, de chamamento ou de procedimento licitatório, com vistas à obtenção de benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros;
Narra o Parquet que os atos de improbidade foram praticados no curso do procedimento licitatório nº 4.732/2013, modalidade Pregão Presencial do tipo “menor preço” global por lote, tendo como objeto o “Registro de Preços para Contratação de Serviços de Locação de Veículos, Caminhões e Equipamentos pesados para uso das Secretarias Municipais, pelo prazo de doze meses”, por: i-) ausência de estudo prévio e orçamentos de alto valor; ii-) economicidade; iii-) cláusulas restritivas e aglutinação indevida de objeto e iv-) superfaturamento e enriquecimento ilícito.
Em primeiro lugar, é importante destacar que a jurisprudência do E. Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, de modo geral, tem condenado a adoção da sistemática do registro de preços para a locação de veículos pela Administração Pública, nas hipóteses em que caracterizada a necessidade contínua dos serviços, nos moldes revelados pelo edital do Executivo de Pirassununga.
No caso em debate, um breve olhar sobre a Ata de Registro de Preços de fls. 48/60 permite identificar atividades públicas rotineiras e essenciais em que seriam utilizados os veículos locados, serviços que não podem sofrer solução de continuidade, como atendimento médico, atividades da guarda municipal, da defesa civil, transporte de merenda escolar, dentre outros, finalidades incompatíveis, portanto, com o sistema de registro de preços, além de exigências de substituição imediata e automática dos veículos locados e plotagem de logomarcas e brasões do Município, que não deixam dúvida sobre o caráter essencial da atividade em que empregados os veículos.
A propósito,
EMENTA: “Exame Prévio de Edital. Pregão Presencial. Menor preço por item. Locação de veículos. A adoção do Sistema de Registro de Preços deve se restringir à locação de veículos cuja utilização, de fato, revele-se incerta e eventual. Para locação em caráter continuado e não eventual é aplicável o artigo 57, II, da Lei nº. 8.666/93. Necessária aceitação, para qualificação técnica operacional, de apresentação de atestados emitidos por pessoas jurídicas de direito privado. Obrigatória a adoção de parâmetros razoáveis para a idade da frota, sendo vedada a exigência de veículos zero quilômetro. No caso de veículos que requerem adaptação, considera-se exíguo o prazo de 20 dias para respectiva entrega, sendo necessária previsão de prazo mais elástico. Representação julgada parcialmente procedente”. (Processo nº: 13656/989/16, Matéria: EXAME PREVIO DE EDITAIS DE LICITAÇÃO, Exercício: 2016, Decisão de 05/10/2016, Conselheira Dra. Cristiana de Castro Moraes, Public. 11/10/2016)
Não bastasse a inadequação do registro de preços para serviços essenciais e contínuos, o procedimento realizado pela Prefeitura de Pirassununga não foi precedido de uma adequada pesquisa de mercado, como disciplina o §1º, do art. 15, daLei 8.666/93:
Art. 15. (…)
§ 1o O registro de preços será precedido de ampla pesquisa de mercado.
As cotações que acompanharam as requisições guerreadas foram apresentadas por três únicas empresas e sem nenhuma representatividade no ramo de atividade respectivo. Confira-se:
Paratigi Transportes Ltda ME (fls. 496/507), microempresa com capital social de R$ 10.000,00, que possui como objeto o “Transporte escolar e a Organização de Excursões em Veículos Próprios, Intermunicipal, Interestadual e Internacional” (ficha cadastral de fls. 836/837);
Marcelo Sampaio Pereira ME – MKT Transportes (fls. 499/503), micro empresa com capital social de R$ 300.000,00, que possui como objeto o “Transporte escolar, transporte rodoviário coletivo de passageiros sob regime de fretamento municipal, transporte rodoviário de carga, inclusive produtos perigosos, municipal, intermunicipal e interestadual, mudanças, distribuição de água por caminhões, locação de automóveis com motorista, organização de excursões em veículos rodoviários próprios, municipal” (ficha cadastral de fls. 838/839);
FVB LOCADORA – vencedora do certame.
Veja-se, como bem pontuado pelo Ministério Público, que as duas primeiras empresas sequer tinham objeto social que abarcasse todos os itens orçados, especialmente as viaturas e os maquinários pesados e agrícolas licitados.
Além disso, a ausência do estudo técnico quanto à viabilidade financeira da locação acabou por violar o princípio da economicidade (CF/88, artigo 70 e Lei n. 8.666/93, art. 3º, “caput”) resultando em grave lesão ao erário, como bem constatou o il. Expert às fls. 3.186:
1. Os preços utilizados pela empresa FVB estão acima do valor de mercado, ainda que tenha apresentado o Formulário Proposta à fl.246, com realinhamento de preços – diminuiu os valores unitários.
2. O município, deixou de tomar os cuidados na formulação dos preços, não praticando o princípio contábil da prudência.
3. No reconhecimento de exigibilidades, o Princípio da PRUDÊNCIA envolve sempre o elemento incerteza em algum grau, pois, havendo certeza, cabe, simplesmente, o reconhecimento delas…
4. O valor apurado por este perito foi de R$100.064,16 (cem mil, sessenta e quatro reais e dezesseis centavos).
Ilustrativa sobre o ponto foi a locação de um veículo popular tipo “hatch” para a Secretaria Municipal da Saúde, requisitada pela requerida Royce, pelo prazo de dez meses, ao custo unitário mensal de R$ 2.990,00 e total de R$ 29.990,00, quando o preço de mercado de uma unidade idêntica era de R$ 25.464,00.
Ora, a locação por dez meses de um único automóvel ultrapassou, em quase vinte por cento, o valor da própria aquisição do veículo de mesmas características, o que evidentemente representa grande prejuízo aos cofres públicos.
Assim, ainda que se argumente a existência de custos de manutenção e eventuais adaptações em alguns veículos, não houve mínimo planejamento ou prévio estudo técnico que justificasse a opção da locação em detrimento da aquisição.
Prova disso é que o custo da locação por menos de um ano superava, em muito, o preço da própria compra.
O E. STJ possui o entendimento de que para que seja reconhecida a tipificação da conduta prevista da Lei de Improbidade Administrativa, é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos previstos nos artigos 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do artigo 10, “verbis”:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REVISÃO. MATÉRIA FÁTICOPROBATÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL PREJUDICADA.
HISTÓRICO DA DEMANDA. […] PRESENÇA DO ELEMENTO SUBJETIVO 6. O entendimento do STJ é no sentido de que, para que seja reconhecida a tipificação da conduta do réu como incurso nas previsões da Lei de Improbidade Administrativa, é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos previstos nos artigos 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do artigo 10. 7. É pacífico nesta Corte que o ato de improbidade administrativa previsto no art. 11 da Lei 8.429/92 exige a demonstração de dolo, o qual, contudo, não precisa ser específico, sendo suficiente o dolo genérico. 8. Assim, para a correta fundamentação da condenação por improbidade administrativa, é imprescindível, além da subsunção do fato à norma, estar caracterizada a presença do elemento subjetivo. A razão para tanto é que a Lei de Improbidade Administrativa não visa punir o inábil, mas sim o desonesto, o corrupto, aquele desprovido de lealdade e boa-fé. 9. Precedentes: AgRg no REsp 1.500.812/SE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 28.5.2015;AgRg no REsp 1.397.590/CE, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 5.3.2015; REsp 1.669.380/SE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 17.10.2017; REsp 1.431. 610/GO, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 26.2.2019; e REsp 1.817.348/CE, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 8.10.2019. […] 16. Recurso Especial não conhecido”(REsp 1835583/SE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/11/2019, DJe 18/05/2020)
Em se tratando de violação de princípios em sede de improbidade administrativa, os dispositivos legais prescrevem um tipo aberto, que engloba ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade das instituições e, nesta perspectiva, o entendimento doutrinário e jurisprudencial majoritário quanto ao elemento subjetivo necessário para configuração de referida violação é tão somente o de que imprescindível apenas dolo genérico de realizar a conduta que atente contra os princípios da Administração Pública.
Desta feita, em que pese ser necessária a presença de elemento subjetivo dolo para caracterização de improbidade administrativa, pelo art. 11, da LIA, desnecessária a presença de dolo específico, mas tão somente dolo genérico no sentido de realizar a conduta ímproba, a despeito dos princípios constitucionais que deveriam ter sido observados.
Conforme a pacífica jurisprudência do E. S.T.J., “não se exige o dolo específico para o cometimento do ato ímprobo atentatório aos princípios administrativos, pois, de acordo com a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, para a configuração dos atos de improbidade administrativa que atentam contra princípios da administração pública, basta a presença do dolo genérico.”(AgInt no EDcl no REsp 1851248 / PE, Rel. Ministro Francisco Falcão, 2ª Turma, DJe 14.08.2020).
O dolo dos envolvidos pode ser extraído, como bem observou o Parquet, do fato de que, durante a vigência do certame guerreado, a Administração Pública Municipal realizou outras licitações visando à aquisição veículos, e não mais a locação, alguns deles de mesmas características dos licitados para locação (fls. 831/836 e 856/864):
Processo Administrativo n. 723/2014 (Pregão Presencial n. 060/2014): Resumo de edital datado de 22.04.2014 – Objeto: “aquisição de veículos zero quilômetro 4 portas para a Secretaria Municipal de Saúde” – houve contratação
Processo Administrativo n. 2325/2014 (Pregão Presencial n. 115/2014): Resumo de edital datado de 20.07.2014 – Objeto: “aquisição de veículo zero quilômetro tipo pickup 1.4”. – houve contratação.
Processo Administrativo n. 2557/2014 (Pregão Presencial n. 130/2014): Resumo de edital datado de 28 de julho de 2014 – Objeto: “aquisição de veículo 05 portas – zero quilômetro, para atender as necessidades da Secretaria Municipal de Saúde” – houve contratação.
Processo Administrativo n. 3037/2014 (Pregão Presencial n. 156/2014): Resumo de edital datado de 02.09.2014 – Objeto: “aquisição de veículos tipo pickup, zero quilômetro, para a equipe de Controle de Vetores da Secretaria Municipal de Saúde” – houve contratação.
Processo Administrativo n. 3783/2014 (Pregão Presencial n. 183/2014): Resumo de edital datado de 13.10.2014 – Objeto: “aquisição de veículo 0km, tipo executivo para passageiros, 16 lugares, para a Secretaria Municipal de Saúde – CAPS e CAPSi” – houve contratação.
Processo Administrativo n. 4342/2014 (Pregão Presencial n. 205/2014): Resumo de edital datado de 11.12.2014 – Objeto: “aquisição de 06 (seis) veículos, tipo furgão de carga – zero quilômetro, destinados para o Setor de Merenda Escolar e Secretaria Municipal de Saúde” – houve contratação.
Processo Administrativo n. 1930/2015 (Pregão Presencial n. 071/2015): Resumo de edital datado de 01º.07.2015 – Objeto: “aquisição de veículo 0km tipo sedan para a Secretaria Municipal de Saúde” – houve contratação.
A compra de veículos dentro do mesmo período da locação escancara a desonestidade dos requeridos e intenção de locupletamento ilícito em detrimento do dinheiro público, caracterizando ato de improbidade administrativa pelo enriquecimento de terceiros com recursos públicos acompanhado de prejuízo ao erário.
Não é plausível crer que os réus não tivessem conhecimento da necessidade de, ao menos, realizar o devido processo administrativo, com abrangente pesquisa de mercado e demonstrativo de cálculos que minimamente justificasse a decisão pela locação por curto espaço de tempo quando ela era mais onerosa que a própria aquisição do bem.
Evidente que não houve o zelo exigível de quem é responsável pela gestão pública, na medida em que não se buscou verificar se o preço cobrado pela corré FBV era condizente com o mercado ou se existiam outras locadoras de veículo aptas a prestarem o mesmo serviço com cobrança de menores valores.
A respeito do tema, leciona a Professora Maria Sylvia Zanella de Pietro (“Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988”, Atlas, 1991, p. 111):
“Não é preciso penetrar na intenção do agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade. Isto ocorre quando o conteúdo de determinado ato contrariar o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignidade do ser humano, à boa fé, ao trabalho, à ética das instituições. Amoralidade exige proporcionalidade entre os meios e os fins a atingir, entre os sacrifícios impostos à coletividade e os benefícios por ela auferidos; entre as vantagens usufruídas pelas autoridades públicas e os encargos impostos à maioria dos cidadãos. Por isso mesmo, a imoralidade salta aos olhos quando a Administração Pública é pródiga em despesas legais, porém inúteis, como propaganda e mordomia, quando a população precisa de assistência médica, alimentação, moradia, segurança, educação, isso sem falar no mínimo indispensável à existência digna. Não é preciso, para invalidar despesas deste tipo, entrar na difícil análise dos fins que inspiraram a autoridade; o ato em si, o seu objeto, o seu conteúdo contraria a ética da instituição, afronta a norma de conduta aceita como legítima pela coletividade administrativa.”
Não fosse o bastante, também a reunião em um mesmo lote, sob o critério de julgamento do “menor preço total oferecido para cada lote”, de uma diversificada gama de veículos com características diversificadas, resultou em restrição indevida à ampla competitividade do certame.
Com efeito, o edital licitatório de fls. 541 e ss e fls. 580/584 reuniu objetos distintos por lotes, exigiu veículos “0KM” ao lado de veículos usados, veículos adaptados ao lado de veículos sem adaptação, veículos blindados e sem blindagem e impôs cláusulas restritivas obrigando o proponente a apresentar propostas para todos os itens de cada lote sob pena de desclassificação (itens 4.5 e 4.11).
Referidas exigências contrariam os princípios da isonomia, da impessoalidade e da ampla competitividade, supremacia do interesse público, probidade, legalidade e moralidade administrativa, além de violarem as disposições da Súmula Nº 247, do TCU, segundo a qual é obrigatória a admissão da adjudicação por item e não por preço global, nos editais das licitações para a contratação de obras, serviços, compras e alienações, cujo objeto seja divisível, desde que não haja prejuízo para o conjunto ou complexo ou perda de economia de escala, tendo em vista o objetivo de propiciar a ampla participação de licitantes que, embora não dispondo de capacidade para a execução, fornecimento ou aquisição da totalidade do objeto, possam fazê-lo com relação a itens ou unidades autônomas, devendo as exigências de habilitação adequar-se a essa divisibilidade.
Nesse contexto, ainda que não se possa censurar, sob o ponto de vista teórico, a adjudicação do objeto em lotes, certo é que no caso dos autos esse desmembramento do objeto acabou sendo um instrumento para frustração da concorrência e, assim, do próprio certame.
Em matéria de licitação os princípios da economicidade e ampla competitividade são essenciais à concorrência pública, clamando o fracionamento dos produtos e serviços por itens, quando divisíveis, com vistas “ao melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e à ampliação da competitividade sem perda da economia de escala” (artigo 23, §1º, da Lei n. 8.666/93).
No caso em análise, a opção pela divisão em lotes com preço global de bens que eram divisíveis e fracionáveis acabou representando um claro obstáculo à plena participação de outros interessados, inclusive a participação de microempresas ou empresas de pequeno porte, potenciais candidatos com menor poder econômico e que não dispõem de recursos financeiros para atenderem a itens tão diversos em uma única proposta.
De fato, nenhum prejuízo haveria à Administração Municipal se os veículos fossem agrupados em lotes menores, de características semelhantes.
Portanto, a restrição de competitividade pela aglutinação editalícia em lotes, aliada à falta de estudo financeiro prévio à abertura da licitação, além dos orçamentos superficiais e com preços superiores aos praticados até para a venda de veículos resulta no irrefutável dolo dos requeridos, senão sua culpa grave, em locupletarem-se ilicitamente às custas do dinheiro público, causando prejuízo ao erário e o enriquecimento ilícito da pessoa jurídica contratada.
A própria Lei Geral de Licitações prevê que “é vedado aos agentes públicos: I – admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restinjam ou frustrem o seu caráter competitivo (…)” (art. 3º, § 1º, I, Lei n.º 8.666/93)
No caso dos autos, o princípio constitucional da livre concorrência (art. 170, IV, CRFB) foi violado e a aglutinação em lotes do edital era desnecessária e inadequada.
Marçal Justen Filho, ensina-nos, com a maestria que lhe é peculiar, que o inciso I, do § 1º, do artigo 3º da Lei de Licitações, veda “claúsula desnecessária ou inadequada, cuja previsão seja orientada não a selecionar a proposta mais vantajosa, mas a beneficiar alguns particulares.”
A restrição prevista no edital em análise vai além de assegurar a idoneidade, capacidade operacional (técnica) e regularidade das pessoas jurídicas candidatas ao objeto (locação de veículos para a Municipalidade).
Finda a instrução processual, chega-se à inafastável conclusão de que no caso houve sim restrições ilícitas à competitividade no certame indicado.
A violação à Constituição Federal e à principiologia que vincula a Administração Pública e à própria Lei n° 8.666/93 mostra-se inequívoca.
Sobre o tema, oportuna a lição de Maria Sylvia Zanella di Pietro:
“O princípio da igualdade constitui um dos alicerces da licitação, na medida em que esta visa, não apenas permitir à Administração a escolha da melhor proposta, como também assegurar igualdade de direitos a todos os interessados em contratar. Esse princípio, que hoje está expresso no artigo 37, XXI, da Constituição, veda o estabelecimento de condições que impliquem preferência em favor de determinados licitantes em detrimento dos demais. Na parte final, o dispositivo deixa claro que o procedimento da licitação somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.” (Di PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 29 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2016, pp. 416).
A garantia da isonomia, ao mesmo tempo, garante a própria existência de uma “boa proposta” à Administração Pública, pois se sabe que a imposição de condições que inviabilizem a competição entre os interessados permite que apenas um ou poucos possam ser considerados aptos à contratar com a Administração.
Não por outra razão, a Lei 8666/93 cuidou de mencionar por duas vezes a necessidade de observância da isonomia: como um dos objetivos da licitação e como um dos princípios expressamente previstos.
Sendo assim, as restrições à livre competitividade violam a isonomia e, portanto, viciam todo o procedimento licitatório.
Diante deste cenário, inafastável também a conclusão de que os réus foram improbos e atentaram contra os princípios da Administração Pública na gestão pública, nos termos do artigo 4º da Lei 8429/92.
A prova oral coligida não foi capaz de refutar a vasta prova documental produzida nos autos em desfavor dos requeridos.
A Lei nº 8.429/92 não é apenas aplicável aos agentes públicos, mas também aos particulares, no caso as empresas privadas e seus sócios, e os servidores públicos que participaram da licitação, conforme previsão do art. 3º, da Lei de Improbidade:
“As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.”
Neste panorama, tanto os agentes públicos envolvidos desde a requisição dos veículos locados até a chefe do Executivo local, responsável pela adjudicação do objeto e ordenadora de despesas, assim como a empresa vencedora e seu sócio, tinham todos pleno conhecimento da ilegalidade do certame, evidenciado o conluio entre eles uma vez que suprimida qualquer competitividade e igualdade de condições entre os participantes, o que culminou com o enriquecimento ilício do contratado e o prejuízo ao erário.
Enfim, a fraude e o dirigismo licitatório da empresa contratada da licitação caracteriza conduta ilegal e, por conseguinte, ofende o art. 11, da Lei nº 8.429/92, ato praticado por todos os corréus, sem exceção.
Nesse sentido, leciona WALDO FAZZIO JÚNIOR, na obra “Improbidade Administrativa: Doutrina, Legislação e Jurisprudência”, 3ª ed., Ed. Atlas, pág. 229:
“Quando a frustação da licitude do procedimento licitatório ou a dispensa indevida do certame acarreta lesão ao erário incidem as sanções do art. 12, inciso II, pertinentes à realização do art. 10, inciso VIII, da Lei nº 8.429/92. Inocorrendo danos ao patrimônio público econômico, a conduta dolosa do agente público enquadra-se no art. 11, assente que caracteriza-se a violação dos princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade administrativa.”
O ato doloso que ofende os Princípios da Administração Pública redundou em desiderato único em relação a todos os envolvidos e, com isso, configurado o ato de improbidade administrativa em discussão, com ofensa ao art. 11, caput, incisos I e V, da Lei nº 8.429/92:
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência; V – frustrar a licitude de concurso público;
A licitação, como é sabido, destina-se a assegurar a observância ao princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhe são correlatos (v. art. 3º da Lei nº 8.666/93).
No caso em tela, o laudo pericial acabou por confirmar a narrativa ministerial de que a licitação referida gerou para os cofres públicos um prejuízo de mais de R$100.000,00.
Além disso, identificou o il expert irregularidades na pesquisa prévia de preços realizada pela Prefeitura, que deveria ter sido mais ampla e com empresas que atuassem no ramo de locação de veículos como atividade principal, o que permitiria à Municipalidade chegar a um valor mais próximo daquele efetivamente praticado no mercado.
De outro lado, asseverou que a pesquisa efetuada pelo Ministério Público reuniu todos os elementos de uma boa pesquisa de mercado – empresas do setor, em diversas localizações, com ofício detalhando o objeto da pesquisa, indicando que o mesmo resultado poderia ter sido alcançado pelo gestor municipal.
A propósito, extrai-se de fls. 3.175 o seguinte trecho:
“2. É fato que o universo da pesquisa relacionada ao pregão presencial n° 165/2013, que responsabiliza os requeridos, (III.5 do laudo) poderia ter sido mais amplo. (Decreto municipal n° 3863/2009, Art.3°, nos termos da Lei n° 8666/1993 e Lei n° 10520/2002). Dadas as circunstâncias, apenas três empresas apresentaram os preços cotados, sendo a FVB vencedora do certamente – seria mais adequado praticar o princípio da Prudência, de acordo com Apêndice II da Resolução CFC n° 750/93. Interpretação dos Princípios Fundamentais de Contabilidade sob a perspectiva do Setor Público. A fim de se alcançar um resultado mais exequível.”
Assim agindo, o Município não buscou a melhor proposta – aquela mais vantajosa para os administrados e não ofereceu igualdade de condições aos particulares que intentavam contratar com a Municipalidade.
A partir de tal constatação, conclui-se que o procedimento licitatório foi realizado meramente pro forma, com o objetivo de conferir aparência de regularidade e de competitividade, quando, na verdade, houve o favorecimento e o direcionamento para a contratação da empresa-ré.
De mais a mais, ainda durante a vigência do certame guerreado, Administração Pública Municipal realizou diversas licitações visando exatamente à aquisição veículos, em alguns casos inclusive de mesmas características dos licitados para locação, deixando patente a viabilidade econômica da compra de automóveis em detrimento da mera locação e a prática de ato improbo pelos requeridos (fls. 856/864).
As irregularidades na licitação favoreceram o contratado, que recebeu valores do Poder Público depois de sagrar-se vencedor em um certame que poderia não ter vencido, caso em que há dano à moralidade administrativa.
A lesividade decorre da própria ilegalidade da contratação. O dolo, como dito, é evidente e decorre da burla ao procedimento licitatório, ante a ausência de análise prévia, apresentação de orçamentos incompletos, reunião do objeto em lotes e peculiaridades do certame entre representantes do Poder Público Municipal e da empresa-ré, bem como da efetiva contratação, o que frustrou o próprio objetivo intrínseco da licitação, assim como previsto na Constituição Federal e violou o princípio da impessoalidade de forma direta.
Como sujeitos ativos do ato de improbidade, temos a então Prefeita Cristina Aparecida Batista, que autorizou a realização do certame e realizou os pagamentos, e a empresa que com ela concorreu para a prática do ato, assim como seu sócio, os corréus Marcelo Barros de Andrade e FVB Locadora De Veículos Ltda.
Concorreram para o ato os Secretários de Governo Joaquim Donizetti Godoy Leme, Daniel Gaspar, Royce Maria Victorelli Pires Vargas, que realizaram as requisições de veículos nas condições em que eles foram contratados.
No que se refere às penalidades, é certo que somente devem ser impostas as sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa que forem estritamente necessárias, razoáveis e proporcionais às condutas praticadas e danos sofridos para alcançar os fins almejados pela Lei.
Na aplicação das sanções, portanto, a extensão do dano, a culpabilidade dos agentes e o proveito patrimonial obtido devem ser levados em consideração.
*** Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a presente Ação Civil Pública nos termos do art. 487, I, do CPC, para condenar:
a) Cristina Aparecida Batista e Joaquim Donizetti Godoy Leme, qualificados nos autos, às penas previstas nos incisos II e III do artigo 12, da Lei n. 8.429/92, por terem praticado as condutas típicas do artigo 10, “caput” e incisos VIII e XII, e no artigo 11, “caput” e incisos I e V, do referido diploma legal, nos seguintes termos:
a.1) ressarcimento integral ao erário, de forma solidária, no montante de R$100.064,16, conforme apurado no laudo pericial, acrescidos de correção monetária, nos termos da Tabela do TJSP, a partir do ajuizamento e juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação;
a.2) Proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de 03 anos.
a.3) pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano, atualizado nos mesmos moldes anteriormente indicados;
a.4) suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 05 anos.
b) Daniel Gaspar e Royce Maria Victorelli Pires Vargas, sucedida nos autos pelos seus herdeiros, às sanções insculpidas no inciso II, do artigo 12, da Lei n. 8.429/92, por terem praticado as condutas típicas delineadas no artigo 10, “caput” e incisos VIII e XII, do referido diploma legal, nos seguintes termos:
b.1) ressarcimento integral ao erário no montante de R$61.498,56 para Daniel, e de R$ 12.300,00 para Royce (fls. 3.180), ambos acrescidos de correção monetária, nos termos da Tabela do TJSP, a partir do ajuizamento e juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação;
b.2) pagamento de multa civil equivalente a um terço do valor do respectivo dano, considerado o elemento subjetivo dos requeridos, atualizado nos mesmos moldes anteriormente indicados;
b.3) suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 05 anos.
C) Marcelo Barros de Albuquerque e FVB Locadora de Veículos Ltda nas penas previstas nos incisos I, II e III, do artigo 12, da Lei n. 8.429/92, por terem praticado as condutas típicas contidas no artigo 9º, inciso I, artigo 10º, “caput” e inciso VIII, e artigo 11, “caput”, incisos I e V, do referido diploma a:
c.1) ressarcimento integral ao erário, de forma solidária, no montante de R$100.064,16, conforme apurado no laudo pericial, acrescidos de correção monetária, nos termos da Tabela do TJSP, a partir do ajuizamento e juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação;
c.2) Proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de 03 anos.
c.3) pagamento de multa civil equivalente a duas vezes o valor do dano, dada a culpabilidade dos requeridos, atualizado nos mesmos moldes anteriormente indicados;
c.4) suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 05 anos.
Após o trânsito em julgado, expeçam-se ofícios ao Cartório Eleitoral ao TRE-SP e ao TSE para o fim previsto no artigo 20 da LIA. Apesar da sucumbência, verifico que não cabe fixação dos onus sucumbenciais em favor do Ministério Público em sede de ação civil pública.
P. R. I.
Pirassununga, 10 de agosto
Recurso:
Nossa reportagem não conseguiu contato com a ex-prefeita Cristina Aparecida do Léssio Batista, mas, como a condenação é de 1ª Instância, cabe recurso ao TJ. Caso a sentença seja mantida, Cristina do Léssio poderá ficar de fora das eleições municipais de 2024, porém, hoje, está inelegível.
Foto – Arquivo do Site
Bd!
Sugiro, se possível, Audiência Pública p viabilizar um anteprojeto estadual/nacional p discutir o não recebimento de salário por parte de parlamentares (Pref./vereadores) em município com menos de 100 mil habitantes.
Municípios com até 199 mil hab., o salário pago seria de 1 SM (sal. mínimo); até 299 mil, 2 SM; até 399 mil, 3 SM, e, assim p diante. P metrópoles/cidades acima de 1 milhão de hab., seria pago 10 SM. Indistintamente, se houver 1, 10, 20 mi de hab., salário pago a todos parlamentares, 10 SM.
A hora é agora.
Só podia apoiar o nove dedos. Talvez queira um cargo na quadrilha do PT.