Covid-19: enquanto Porto Ferreira tem reabertura da atividade comercial, “lockdown” é cada vez mais provável no Estado
O município de Porto Ferreira foi dos poucos no Estado que decretou a reabertura das atividades comerciais em quase todos os segmentos e não sofreu nenhum tipo de ação judicial contrária por parte do Ministério Público paulista. O número de casos na cidade mantém-se estável, na contramão do que vem ocorrendo em outras regiões.
Diante deste cenário de escalada dos casos no Estado, e a perspectiva de um colapso no sistema de Saúde tornar-se cada vez mais iminente, estudo feito pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e divulgado pela Agência Fapesp mostra que um “lockdown” será inevitável em São Paulo se o isolamento não subir nas próximas semanas (veja box).
Desde o dia 27 de abril, em Porto Ferreira, os prestadores de serviços, como consultórios, escritórios e profissionais que atendem com hora marcada, puderam reabrir seus estabelecimentos. Obviamente, seguindo diversas determinações sanitárias para evitar a propagação da doença.
A partir do dia 4 de maio a reabertura atingiu o comércio em geral, também com restrições de atendimento e medidas sanitárias.
Estão ainda proibidos de reabrir os estabelecimentos de eventos sociais, como salões de festas e afins, academias esportivas, igrejas (que não é um estabelecimento comercial em tese, mas provoca aglomeração de pessoas), entre outros. Bares e restaurantes podem funcionar sem consumação no local. Os clubes também reabriram, mas apenas para atividades individualizadas.
A reabertura das atividades em Porto Ferreira trouxe manifestações contrárias e a favor. Os empresários, principalmente, tiveram um pouco de alívio para poder pagar suas contas e funcionários. Dado extraoficial obtido pela reportagem do Jornal do Porto diz que na região do Circuito da Cerâmica Artística e da Decoração o faturamento neste retorno é na média, aproximadamente, de 50% do que era antes da pandemia. É a questão de ver se o copo está meio cheio ou meio vazio.
Por outro lado, outras pessoas criticam o afrouxamento da quarentena e o chamado distanciamento seletivo. Houve ação na Justiça, por exemplo, para tentar impedir a volta dos professores da rede pública municipal às escolas, porém sem sucesso.
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que Estados e municípios são soberanos para determinar as ações de isolamento social. Portanto, não precisam seguir o que decreta o Governo Federal. No caso dos municípios, o entendimento jurídico predominante é que eles podem restringir ainda mais o que determina os decretos estaduais, mas não o contrário.
Segundo um levantamento do Governo do Estado realizado há uma semana, quase 50 municípios paulistas haviam flexibilizado a quarentena decretada pelo governador João Dória. Porto Ferreira, entre eles.
Porém, cerca de 30 desses municípios revogaram a flexibilização, ou por recomendação do MP, por iniciativa própria ou por via judicial.
Na região, Pirassununga, por exemplo, tentou uma flexibilização mas recuou depois de recomendação nesse sentido do Ministério Público. No entanto, na última segunda-feira (12) foi baixado novo decreto ampliando o funcionamento de atividades, inclusive academias e salões de beleza, entre outras.
Estudo prevê “lockdown” no Estado de São Paulo se casos continuarem aumentando
Projeções feitas com um modelo matemático desenvolvido na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) indicam que a adoção de “lockdown” obrigatório no Estado de São Paulo será inevitável caso o nível de isolamento social não suba significativamente nas próximas semanas.
Entre os dias 8 e 10 de maio, foram registados, em média, 1.839 novos casos diários de COVID-19 em todo o Estado, sendo 1.033 somente na capital. Foram registrados também 93 óbitos na capital e 168 no estado (também na média dos três dias). Se for mantida a taxa de contágio (R0) – que é o número de pessoas para as quais um infectado transmite o vírus – observada nos trinta dias anteriores a 10 de maio, no final de junho São Paulo contabilizará 53,5 mil novas infecções por dia, sendo 20,8 mil casos diários somente no município de São Paulo. O número de óbitos diários atingirá 2,5 mil no estado, dos quais, 1,1 mil ocorrerão na cidade de São Paulo. Nesse período, estima-se que o número de novos casos dobrava a cada 11,5 dias para o estado e a cada 12,9 dias para a capital. Para óbitos, o número estava dobrando a cada 13,5 dias no estado e a cada 14,7 dias na cidade.
O cálculo foi feito considerando-se os dados reais de crescimento do número de casos ao longo do último mês, que indicam uma taxa de contágio de 1,49 para o estado e de 1,44 para a cidade de São Paulo. Ou seja, no final de abril, cada 100 paulistas infectados transmitiam o novo coronavírus para quase 150 pessoas, em média (ao longo de um período de cerca de 7,5 dias após se contaminar, de acordo com a modelagem utilizada).
“Essas projeções têm grande chance de estarem subestimadas, pois o nível de isolamento vem caindo desde o início de abril (ver figura) e, entre 5 e 9 de maio, não ultrapassou 50%, o que provocará o aumento da taxa de contágio. Isso se refletirá daqui a 15 ou 20 dias no número de novos casos, depois sobre o número de óbitos. Mas, mesmo que se mantenha o nível de contágio estimado até 10 de maio, os valores projetados indicam que ainda este mês o sistema público de saúde da Região Metropolitana de São Paulo [RMSP] atingirá o limite, pois o nível de ocupação de leitos de UTI [Unidade de Terapia Intensiva] já está acima de 80%. Se o isolamento não for ampliado urgentemente, o estado terá de adotar medidas mais drásticas de contenção, como ocorreu na Itália, ou a situação se tornará insustentável”, afirma o matemático Renato Pedrosa, professor do Instituto de Geociências da Unicamp e coordenador do Programa Especial Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação da FAPESP.
As estimativas foram feitas com um modelo desenvolvido por Pedrosa e descrito em artigo disponível na plataforma medRxiv em versão preprint (ainda não revisada por pares). O modelo permite estimar a dinâmica de transmissío da COVID-19 em diferentes locais, levando em conta variáveis climáticas (temperatura e umidade absoluta), a densidade populacional e a linha do tempo da instalaçío da doença (data em que o país ou a região atingiu a marca de 100 casos).
Para desenvolver o modelo, Pedrosa usou dados de 50 estados norte-americanos e de outros 110 países, incluindo o Brasil. Foram selecionados países para os quais havia informação suficiente disponível para calcular a taxa de crescimento exponencial no período em que o centésimo caso da doença foi registrado. As informaçõs meteorológicas foram obtidas em uma base de dados da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA, na sigla em inglês), instituição que integra o Departamento de Comércio dos Estados Unidos. Já os dados referentes à expansão da COVID-19 até o dia 10 de abril vieram de duas fontes: o Centro de Ciências de Sistemas e Engenharia da Johns Hopkins University (Estados Unidos) e o Centro Europeu de Controle e Prevenção de Doenças, com sede na Suécia.
“Estudos iniciais sugeriam que o novo coronavírus teria mais dificuldade para se disseminar em países com clima quente e úmido. Mas, segundo este modelo, o efeito das variáveis climáticas na taxa inicial de expansão da doença não foi significativo ao se incluírem as variáveis de densidade populacional e/ou a data de início da doença [100º caso]. Isso confirmou a experiência do Brasil e de outros países que estavam em período de verão, com clima quente e úmido, e sofreram expansão severa da COVID-19”, conta Pedrosa.
“A data do centésimo caso apareceu de forma interessante. Quanto mais tarde esse evento ocorreu em um determinado local, menor foi a taxa inicial de expansão da COVID-19. Uma possível explicação para esse achado é que, nos locais onde o vírus tardou a chegar, a população foi ganhando consciência sobre a necessidade de adotar medidas de proteção, como lavar as mãos, usar álcool em gel, evitar apertos de mão e aglomerações. E isso diminuiu a velocidade de transmissão mesmo nos estágios iniciais”, avalia.
Segundo Pedrosa, uma vez descontado esse efeito, a densidade populacional das diferentes regiões analisadas – medida pelo número de habitantes por quilómetro quadrado – passou a ser a variável mais relevante para estimar a taxa de expansão livre da COVID-19, ou seja, sem nenhum efeito de atenuação de diversas origens, e como seria o contágio nessa situação. Quanto mais densamente povoada a região, maior seria a taxa de contágio livre, algo esperado conceitualmente, mas, segundo Pedrosa, aplicado pela primeira vez na análise da taxa de contágio da COVID-19.
Contágio atenuado – Com base nesses resultados, Pedrosa decidiu estimar a taxa de atenuação do contágio que seria necessária para controlar a doença em todas as capitais brasileiras e no Distrito Federal, em função da densidade populacional de cada cidade.
No topo da lista das mais densamente povoadas do país estão Fortaleza (7.786 hab./km2), São Paulo (7.398 hab./km2), Belo Horizonte (7.167 hab./km2), Recife (7.040 hab./km2) e Rio de Janeiro (5.267 hab./km2). Se nenhuma medida de distanciamento social tivesse sido adotada para conter o avanço do novo coronavírus nesses municípios, calcula o pesquisador, todos teriam uma taxa de contágio superior a 5,8 e o número de infecções dobraria em menos de dois dias.
“Isso ocorreu no início da pandemia em outros países, como na cidade de Nova York, nos Estados Unidos, em que o número de casos dobrou a cada 1,4 dia durante a semana de maior intensidade da pandemia, logo no seu início. A densidade populacional de Nova York atinge mais de 25 mil hab./km2 em Manhattan, e o caso foi analisado no artigo resultante da pesquisa”, observa o pesquisador.
“Para controlar a doença nas quatro cidades mais densamente povoadas do país, é preciso atenuar a taxa de contágio livre em 84%, o que seria possível com pelo menos 60% de isolamento social combinado ao uso obrigatório de máscaras de boa qualidade, por exemplo”, estima Pedrosa.
O potencial de proteção das máscaras pode ser calculado, segundo estudo disponível no repositório arXiv (também em versão preprint), que avaliou a eficiência de diversos modelos para atenuar o contágio, que pode ser muito significativo, dependendo da cobertura do uso e do tipo de máscara. “A dificuldade em utilizar os resultados desse estudo para estimar o efeito da obrigatoriedade do seu uso é que a eficiência dos tipos de máscara varia muito, desde praticamente zero para máscaras feitas em casa de material inadequado até mais de 90% para as máscaras do tipo N95, usadas por profissionais e que custam muito caro, sendo inacessíveis à maioria da população”, diz o pesquisador.
Segundo ele, o efeito das medidas recentes demorará algum tempo para ser avaliado, o que retardará as medidas a serem adotadas, que são urgentes e terão impacto, da mesma forma, apenas daqui a duas ou três semanas.
Pedrosa ressalta que a RMSP engloba várias cidades de alta densidade populacional, que apresentam números de reprodução [R0] próximos do observado na capital ou mesmo mais altos, como Diadema, Carapicuíba e Osasco. “Portanto, para uma região com mais de 21 milhões de habitantes, a situação poderá se tornar ainda mais grave em prazo muito curto se medidas que levem ao aumento do isolamento falharem”, conclui Pedrosa.
Por Karina Toledo, Agência FAPESP.
Fonte: Redação Jornal do Porto