Autismo em meninas apresenta particularidades que dificultam diagnóstico
Recentes estudos e relatos clínicos indicam que o autismo em meninas apresenta particularidades que tornam o diagnóstico mais desafiador. De acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, a proporção oficialmente aceita é de que a cada quatro meninos autistas há uma menina com a condição. No entanto, há casos em que os sintomas podem ser confundidos com outros distúrbios e, até mesmo, aspectos da personalidade, prejudicando o acesso ao tratamento correto.
Segundo informações do Ministério da Saúde, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) é caracterizado como um distúrbio que altera as funções do neurodesenvolvimento, responsável por causar déficits comportamentais, comunicacionais e sociais. Dessa forma, pode ser classificado em três níveis, de acordo com a autonomia da pessoa autista.
O primeiro nível é chamado de “leve” e requer pouco suporte. Assim, a pessoa diagnosticada consegue manter a independência para a realização das atividades diárias. O segundo nível, “moderado”, envolve um suporte razoável, enquanto o terceiro, “severo”, demanda auxílio significativo. O diagnóstico do espectro do autismo envolve avaliação comportamental, de desenvolvimento e neurológica.
Os estereótipos em torno do autismo muitas vezes se concentram em características mais evidentes, como padrões repetitivos de comportamento, dificuldades na comunicação e interação social. No entanto, quando se trata de meninas autistas, as manifestações podem ser mais sutis e, em alguns casos, facilmente camufladas. Muitas vezes elas se tornam hábeis em imitar comportamentos sociais e mascarar suas dificuldades, o que leva a um subdiagnóstico.
Meninas apresentam sintomas diferentes
A psicóloga e especialista em autismo, Aline Provensi, ilustra a situação ao mencionar os hiperfocos, interesses extremos que muitos autistas têm por temas específicos. Nas meninas, tendem a ser temporários, relacionados aos gostos comuns para a idade, sendo interpretados como funcionais.
“Não é um hiperfoco em modelos específicos de aviões de guerra. Acaba sendo a pessoinha da banda tal”, exemplifica. “Só que é esperado que isso aconteça. Pela leitura do comportamento, as pessoas pensam ‘meninas fazem isso’”, explica a psicóloga em entrevista à imprensa.
Em muitos casos, o médico pode diagnosticar TDAH, bipolaridade, ansiedade, depressão ou outros distúrbios psicológicos antes de chegar ao autismo. A neurologista pediátrica, Alice Burle Faria, destaca sinais de alerta para os pais, como menor interação social, pouco contato visual e alcance de imaginação reduzido. Ela observa que brincadeiras repetitivas, como colocar e tirar a roupa da boneca, também merecem atenção.
“Muitas vezes, as meninas com Transtorno do Espectro Autista vão passar por crianças tímidas e retraídas. Mas, devemos estar atentos aos detalhes, pois com o diagnóstico precoce, a intervenção pode começar o quanto antes e ajudar a criança a lidar com suas dificuldades”, aconselha em artigo de sua autoria.
Descobrindo autismo aos vinte
A estudante de psicologia Gillian Cardoso, 24 anos, recebeu o diagnóstico de autismo aos 20. Ela conta que foi um choque, pois enxergava a condição como uma fragilidade. “Tinha medo de que as pessoas deixassem de ser minhas amigas”, relembra. Ela revela que sua jornada até o diagnóstico foi longa e repleta de equívocos.
Embora os sinais tenham se manifestado desde a infância, quando seus pais chegaram a pensar que ela era surda devido à falta de interação com os irmãos, o diagnóstico correto só veio na fase adulta. Gillian relata que, durante a adolescência, quando cursava o primeiro ano do ensino médio, a escola a encaminhou para uma psiquiatra que a diagnosticou com bipolaridade.
“Comecei a tomar um estabilizador de humor, o que me deixava ainda mais distante. Eu me sentia apática e, então, recebi um diagnóstico de depressão e passei a tomar antidepressivos, o que só piorou as coisas”, recorda.
Para ela, receber o diagnóstico de TEA foi uma oportunidade de ressignificar muitos comportamentos da infância. Gillian conta que sempre teve sentimentos extremos, muitas restrições alimentares e crises, por conta da sobrecarga de estímulos. “Eu me achava estranha e tímida porque era o que todo mundo dizia, acabei internalizando”, desabafa.
Hoje a jovem cursa psicologia na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e tem uma conta no Instagram para compartilhar resenhas literárias. Para ela, criar o perfil foi uma estratégia para treinar sua capacidade social e dividir seus gostos com o mundo. “Eu tenho um hiperfoco em literatura, então pensei em como tornar essa leitura útil para o mundo.”
O autismo não é uma condição visível aos olhos e, a cada dia, novas terapias possibilitam uma maior integração na sociedade. Gillian afirma que precisa de uma maior compreensão de todos ao seu redor, mas que isso não limita sua vida. “Eu sou muito mais que meu diagnóstico”, enfatiza.
Inclusão nas escolas
De acordo com dados do Censo Escolar feito pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 294.394 alunos com autismo frequentaram os ensinos infantil, fundamental ou médio das redes pública e privada em 2021. O número indica o aumento de 280% em comparação com 2017, quando a quantidade de alunos era de 77.102.
Embora o crescimento seja significativo, educadores e terapeutas ressaltam que representam apenas uma fração de todos que deveriam estar presentes nas salas de aula. Estimativas apontam que, no Brasil, há mais de 2 milhões de pessoas com autismo, o que significa uma lacuna considerável na inclusão educacional.
A psicopedagoga do Espaço Cel, Jesiane Abreu, explica que investir em atividades vocacionais na escola pode ajudar pessoas com autismo a conseguir uma colocação no mercado de trabalho futuramente. “Alguns autistas gostam de atividades ligadas às capacidades de concentração. Outros, de ações repetitivas e do reconhecimento de padrões. E uma parte prefere aquelas que exigem detalhamentos”, pontua. “É nosso trabalho ajudar para que essas competências se aflorem, aprofundando a prática a fim de que diferenciais sejam estabelecidos para nossos alunos.”
Dessa forma, a presença de professores que sejam especialistas de neuroaprendizagem é apontada como uma opção para que a inclusão seja feita de forma estratégica. Este seria o caminho para reconhecer a singularidade de cada aluno, considerando suas especificidades desde o primeiro dia de aula. No caso dos estudantes com autismo, o conhecimento ajuda a compreender a diversidade existente entre eles.