Fazenda de Descalvado recebe prêmio na Espanha por leite que não causa desconforto estomacal
Por Fabiana Assis, G1 São Carlos e Araraquara
A fazenda Agrindus, de Descalvado (SP), recebeu na Espanha um prêmio de inovação agroindustrial pela produção de leite A2, que não causa desconforto digestivo.
A fazenda, que é uma das três maiores produtoras de leite do Brasil, é pioneira no país na produção de leite A2, retirado de vacas que possuem um DNA específico que não produzem uma proteína que causa diversas reações para quem toma a bebida e que muitas vezes são confundidas com intolerância à lactose.
A produção do leite A2 é baseada em estudos australianos que descobriram que a vaca é a única fêmea mamífera que sofreu uma mutação natural durante a evolução de um gene de codominância que modificou beta-caseína, que é a principal proteína do leite.
Dessa forma, enquanto a mulher e de todas as outras fêmeas são A2A2, as vacas podem ser A1A1, A1A2 ou A2A2, sendo que os leites de vacas que produzem a caseína A1 contêm um composto que é de difícil absorção pelo corpo humano.
Como o leite vendido no Brasil é proveniente de vários animais, possui um pouco de cada um dos dois tipos de caseína.
Exclusivamente A2 – Em 2017, a Agrindus começou o projeto de produção de leite exclusivamente A2 pela genotipagem de todo o rebanho.
“Todos os produtores têm os três genótipos: A2A2, A1A1 e A1A2. O rebanho é composto destas três possibilidades de caseína, as populações variam”, explicou o proprietário da Agrindus, Roberto Jank Jr.
Amostras de todos os animais foram enviadas para um laboratório nos Estados Unidos, onde foi feito o mapeamento genético. Dos 4 mil animais existentes na fazenda, 1,4 mil eram A2A2 e foram separados e selecionados para dar origem a um plantel exclusivamente A2.
“As vacas A1A1 não geram mais descendência própria, elas geram embriões A2A2 de doadores de embriões A2A2. A gente só insemina com touros A2A2. Faz um ano que só nascem bezerras A2A2 aqui. Nosso rebanho está crescendo rapidamente para ser 100% A2A2”, contou.
A empresa passou a usar a denominação A2 na linha de produtos Letti. O leite de outras vacas são utilizados em produtos de outras marcas da fazenda que não são exclusivamente A2.
Segundo Jank, o leite A2 tem ajudado pessoas que gostam da bebida, mas não a tomavam devido ao desconforto que ela causava.
Baseado em experiências internacionais, ele acredita que este tipo de leite terá grande demanda no Brasil, sobretudo para fórmulas infantis, isso porque o leite A2 é semelhante ao leite materno.
“A mulher produz beta-caseína A2 e quando a criança sai do peito da mãe e passa para uma fórmula infantil, ela saí da caseína A2 e passa para um A1 porque não é garantido que é A2, então começa um processo inflamatório, de cólica, de má digestão da criança porque trocou a caseína. Existe uma demanda para que a criança saia do peito da mãe para uma caseína similar. As primeiras fábricas de formulas infantis A2 estão na China e a gente está vendo essa demanda chegar no Brasil agora”, afirmou.
Prêmio – A Agrindus recebeu o prêmio de foi de “Melhor Iniciativa no Setor Agropecuário”, voltada para projetos no campo que se destaquem por serem inovadores e transformadores nos sistemas de produção e comercialização de seus produtos. Pela conquista recebeu 30 mil euros.
A premiação ocorreu em junho e foi promovida pela Fundación MAPFRE. A cerimônia ocorreu na Espanha e Jank recebeu o prêmio diretamente da rainha emérita Sofía.
A categoria Melhor Iniciativa no Setor Agropecuário é estreante na premiação que ainda tem as categorias “Prêmio para Toda uma Vida Profissional”, “Melhor Entidade por sua Trajetória Social”, “Melhor Projeto ou Iniciativa por seu Impacto Social”.
Foi a primeira vez que uma iniciativa do Brasil foi premiada em alguma das categorias do prêmio.
Para Jank, foi uma surpresa e um reconhecimento de um trabalho bem feito, que busca a qualidade de produção, do alimento e a sustentabilidade.
“Nós fomos convidados e escrevemos a descrição do projeto dentro do sistema deles, que é muito rígido, cheio de documentos. Mas a gente fez no formato que eles pediram e enviamos sem muita expectativa e acabamos ganhando. Eles adoraram o projeto principalmente pelo aspecto da sustentabilidade. Por ser uma empresa familiar, de mercado regional, com baixa pegada de carbono e reutilização de efluentes”, contou.
Certificação – O leite A2 começou a se tornar conhecido nos últimos anos no mundo todo. Somente nos EUA o consumo aumento 115% no ano passado. Também está sendo muito produzido na Ásia, sobretudo na China e Singapura, além de Inglaterra, Nova Zelândia e Austrália.
No Brasil, a Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite), da qual Jank é vice-presidente, encabeçou um processo de regulamentação junto ao Ministério da Agricultura e à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), além de a formatação de um processo de certificação das vacas A2A2 junto com a #bebamaisleite e a certificadora internacional Genisis Gruop.
“Foi criada uma comissão de leite A2 da Abraleite, com pesquisadores, nutricionistas, produtores, que fez uma sugestão de regulamentação bem rígida, com certificação, selo e normas para evitar fraudes, que fez proposta para Ministério da Agricultura”, disse.
A fazenda Agrindus já tem essa certificação, se tornando a primeira produtora do Brasil de leite A2.
“Ela certifica que tudo o que a gente faz é garantido que o que aquele produto que está dentro da garrafa vem de vacas A2A2. Certificou tanto a produção quanto a indústria e foi criado o selo do A2 e esse selo é o que está sendo propostos para o governo para a regulamentação do leite A2 no Brasil, pela Abraleite”, disse Jank.
Intolerância x alergia
A descoberta do A2 foi feita na Austrália na década de 1990 e estava protegida por uma patente de 20 anos, que caiu em 2015, o que permitiu o crescimento da produção deste tipo de leite no mundo.
Segundo esses estudos, todas as fêmeas de espécies mamíferas, entre elas as humanas, as cabras, as búfalas, as éguas e as camelas, produzem apenas a beta-caseína A2, mas, por causa de uma mutação genética que ocorreu há aproximadamente 10 mil anos, algumas vacas passaram a produzir a beta-caseína A1. Essa pequena mudança é suficiente para alterar a digestão da molécula e levar a outras consequências.
“O organismo dá um sinal que aquilo não é para ser ingerido, é para ser eliminado então começa um processo inflamatório, um processo alérgico, de dores abdominais e muita gente confunde isso com intolerância à lactose”, afirma Jank.
Segundo a nutricionista Naiara Alves Marcondes, algumas pessoas podem apresentar reações alérgicas ao consumir leite e derivados, devido à proteína do leite, que é diferente da intolerância à lactose.
“Essas duas patologias são frequentemente confundidas pelo fato de ter um alimento causador em comum: o leite, mas são diferentes entre si e ambas necessitam de acompanhamento médico e nutricional. A intolerância à lactose ocorre porque o organismo não produz ou produz pouca quantidade da enzima lactase, responsável pela digestão da lactose”, disse.
Já a alergia à proteína do leite, explicou Naiara, ocorre porque em algumas pessoas as proteínas são identificadas pelo sistema imunológico como um agente agressor, desencadeando vários sintomas desagradáveis.
“Uma das proteínas do leite de vaca é a beta-caseína dos tipos A1 e A2. A beta-caseína A1 quando chega ao intestino humano origina um peptídeo chamado beta-casomorfina 7. Pesquisas indicam que este peptídeo é o causador da alergia do leite que alguns seres humanos apresentam. Dessa forma, se o leite consumido não tivesse a beta-caseína A1, ele não causaria alergia”, explicou.
Enquanto a lactose é um carboidrato, conhecida como açúcar do leite, as caseínas são as principais proteínas da bebida (cerca de 80% do total). A confusão entre intolerância e alergia ocorre porque alguns sintomas, como cólicas e diarreia e dor abdominal são comuns para ambas.
“Existe uma correlação porque quando o organismo identifica o composto, ele dá um sinal para todos os órgãos de que aquilo não é para ser digerido e é para ser eliminado, então o fígado não produz a lactase para digerir a lactose. Algumas pessoas tomam a lactase porque acham que é intolerância à lactose e se sentem um pouco melhor porque pelo menos digeriu a lactose, mas continua com o processo de digestão difícil. Boa parte de problemas que são considerados intolerância à lactose, é apenas problemas de dificuldade de digestão”, afirma.